Música e Musicoterapia
Música, Educação Musical e Musicoterapia
sábado, 7 de maio de 2022
Casamento Branca e Zé
domingo, 13 de fevereiro de 2022
A paisagem sonora : Cosme Velho à Laranjeiras registrado numa bicicleta
Paisagem Sonora
Cosme Velho à Laranjeiras registrado numa bicicleta
(Artigo da Publicação "Escola em Transe" - UFF)
4ª PUBLICAÇÃO - 2021/2 | publicacaoemtrase (escolaemtranse2020.wixsite.com)
O link para assistir o vídeo da pedalada: https://youtu.be/PVnNMFWgv1s
Assistindo o vídeo
podemos perceber muitos detalhes, certamente muitos outros surgirão sob o olhar
e a audição de cada um que o assistir. Por sua vez vou me deter inicialmente na
quantidade de árvores que ainda habitam no percurso registrado por mim. São inúmeras
árvores de tamanhos diferentes, de tonalidades de verdes igualmente distintas e
de espécies diferentes. Amendoeiras, palmeiras, pau-brasil, oitizeiro entre
muitas outras que convivem com a paisagem do bairro das Laranjeiras. As árvores além de refrescar e embelezar a
cidade, servem como abafadores do ruído urbano. Suas copas, seus troncos,
servem de anteparos ao constante fluxo ruidoso produzido pelo trânsito intenso
das ruas. O vento em suas folhas produz sons de timbres diversos que amenizam e
trazem bem estar, nos remetendo, sem que percebamos, a um contato sonoro mais
primitivo. O som das árvores e todos os outros sons que ela abriga também se
perdem quando ela é cortada. Certamente essas árvores que produzem sons com
seus galhos e folhas, também trazem pássaros, cigarras, micos, que por sua vez
igualmente participam sonoramente da paisagem sonora desse percurso. Como um
rio ruidoso, caudaloso de forte correnteza, não encontrando resistência o ruido
da cidade segue seu curso invisível e por incrível que pareça, sem ser
percebido pela audição. O olhar e seu imperioso sentido da visão ainda rege as
normas da ecologia.
“No
passado havia santuários emudecidos onde qualquer pessoa que sofresse de fadiga
sonora poderia refugiar-se para recompor sua psique. Poderia ser nas florestas,
à beira-mar ou numa encosta coberta de neve durante o inverno.”(Schafer,R.
Murray, 1977)
A arquitetura do percurso
Neste percurso registrado
pelo vídeo, é importante relatar sobre as construções que estão visíveis no
enquadramento da câmera do celular. É possível observar a diversidade de
estilos e épocas nos traços dos prédios, fachadas, muros e outras estruturas
que revelam uma das características deste bairro das laranjeiras, o de abrigar
uma paisagem arquitetônica multifacetada. Assim que a câmera começa a registrar
a Rua Cosme Velho; aos 0:27 min surge a Casa da Embaixada da Romênia, em
seguida descendo a esquerda a Igreja São Judas Tadeu, um pouco mais a diante,
uma construção verde o Colégio São Vicente de Paulo, aos 1:07 min podemos
observar o magnífico Colégio Sion, ainda a esquerda aos 1:28 o famoso complexo
predial Pires de Almeida, seguindo um pouco mais o muro amarelo do recuado e
maravilhoso Edifício Monte, logo em seguida e ainda a direita a Igreja Cristo
Redentor, aos 2:39 min é possível avistar o chafariz em forma de concha da
Praça Ben Gurion e por fim ao entrar na Rua Sebastião de Lacerda aos 3:25 min é
possível observar as 4 casas gêmeas à direita do vídeo. Muitas outras
construções importantes não foram registradas pela câmera, mas que fazem do
Bairro das Laranjeiras um espaço fértil para quem gosta de apreciar e estudar
arquitetura.
Paisagem Urbana
Dizem que antes da inauguração
do Túnel Rebouças no dia 3 de
outubro de 1967 essa região era bem mais tranquila e com um perfil urbano
coerente com as características de um bairro residencial com muitas casas,
situado em um vale cercado de montanhas com pouca circulação de carros e com
vendedores gritando seus pregões pelas ruas. Ainda é possível perceber no
asfalto os trilhos dos bondes que circulavam por ali, assim como vendedores de
vassouras, de pão em suas bicicletas, e com muita sorte, vendedores com seus
cachos de caranguejos equilibrados, o amolador de facas faz tempo que não o
ouço. Mas durante o trajeto algumas coisas chamam a atenção. As ruas alternam
de largura, assim como as calçadas, enquanto as placas de aviso e comunicação
para os motoristas que parecem possuir um design ultrapassado se escondem da
visão entre fios e árvores. A ciclofaixa embora demarcada no asfalto ainda gera
certa insegurança. Transeuntes passando, chegando, atravessando as ruas e
calçadas numa manhã de segunda-feira. Ambulantes, ônibus, carros, caminhões,
bicicletas perpassando pelo trajeto anunciando o começo da semana. As ciclovias
embora deterioradas e eventualmente invadidas funcionam bem. O perfil
urbanístico do trajeto apresenta uma diversidade que abriga o crescimento
natural e o planejado. É possível observar resquícios das estruturas do passado
e do presente tentando conviver. A impressão que dá é que o fluxo de
urbanização que o túnel ofereceu não coube na estrutura tradicional do bairro
que ainda resiste. Um bom projeto acústico para a cidade certamente é aquele
que saberia manter e até resgatar os sons naturais e originários de um espaço
urbano e consiga mixá-los aos sons e ruídos da contemporaneidade.
“O projetista acústico incita a sociedade a
ouvir novamente modelos de paisagens sonoras lindamente modulados e equilibrados,
tal como ocorre, hoje, nas grandes composições musicais. O esforço final é
aprender como os sons podem ser reorganizados, de maneira que todos os
tipos possíveis possam ser - uma arte chamada orquestração.”(Schafer,
R. Murray, 1991)
Paisagem Sonora
A paisagem sonora para melhor ser observada e percebida se faz fechando
os olhos para apreciação do vídeo que gerou inspiração para esse texto.
Diversos tipos de sons podem ser ouvidos durante o trajeto. Dois deles sempre estarão
presentes ora mais, ora menos durante todo o percurso. Um deles os ruídos da
minha bike: o som da roda girando, da estrutura do pedal, corrente e coroas, os
freios. O outro também sempre presente o fluxo ruidoso e constante da cidade,
que é constituído de inúmeros sons tais como: ar refrigerados, ônibus, carros,
motos, gritos, falas, buzinas, rádios ligados, entre muitos outros sons urbanos.
Este trajeto foi feito por uma bicicleta cortando e enfrentando o atrito
do elemento ar que é composto diversos tipos de gazes, que por sua vez propagam
o som. Ondas sonoras invisíveis aos nossos olhos estão se propagando em
diversas amplitudes, entrecortando-se em diversas direções. Imagine várias
pedras de diversos tamanhos sendo atiradas ao acaso e simultaneamente num lago
sereno ou num remanso de um rio produzindo lindos desenhos circulares de
diâmetro e de duração diferente na superfície. No ar, está sempre acontecendo a
mesma coisa através de pulsos energéticos oriundos de alguma perturbação física
que gere esta oscilação e não faltam fontes sonoras numa cidade. Acho, mesmo
para os mais especialistas e acadêmicos que estudam e se interessam pelo o
fenômeno sonoro, vale sempre “lembrar que um copo vazio está cheio de ar”
(Gilberto Gil).
A inspiração poética e musical está ligada com o ambiente sonoro que
cerca os compositores. Vários compositores de um passado mais silencioso se
inspiraram em temas e motivos da natureza em suas obras. O bairro das
laranjeiras abriga uma forte tradição de artistas, poetas, filósofos e
compositores. O cuidado com os projetos acústicos urbanos também beneficia a
manutenção de um pensamento criativo e crítico do bairro.
Imaginemos agora que o percurso fosse um rio. Um rio sonoro que começou a
ser registrado por um dos seus afluentes; calmo, tranquilo, com pouca massa
sonora, repleta de sons naturais e de prenúncios de silêncio. Este afluente, no
caso a rua Smith de Vasconcelos, que desce lentamente com seus sons de
maritacas, com seus poucos ruídos matinais e pitadas de silêncio. Aos poucos
este afluente sonoro vai se encontrando com um grande fluxo sonoro ruidoso que
desce morro abaixo. No chão, um asfalto ideal para propagar o veio ruidoso, que,
se fosse poroso, menos compactado, talvez reduzisse a propagação contínua desse
rio sonoro cuja sua intensidade está apenas começando como pode ser escutado no
vídeo.
A rua Cosme Velho possui em suas encostas uma arquitetura com casas e
prédios recuados que permitem que as ondas sonoras se espalhem diminuindo a
força do fluxo ruidoso, mas que, por sua vez continua implacavelmente crescendo
conforme nos aproximamos da altura rua General Glicério.
Já na Rua das Laranjeiras podemos observar que os prédios começam a
ficar mais altos e colados uns aos outros. A essa altura os ruídos seguem seu
fluxo com mais intensidade. Literalmente canalizados pela estrutura de cimento
compactada dos prédios construídos colados uns aos outros, todos a próximos a
via principal, a massa sonora repleta de ruídos parece seguir em forte
velocidade e intensidade. Imperiosa, essa corrente sonora, atrai para si como
uma força eletromagnética todos os ruídos que estão próximos e os transforma
numa massa caudalosa sem anteparos que possam reduzir sua força.
O percurso deste rio sonoro, por ironia do destino segue o mesmo curso
do rio Carioca que está abaixo do asfalto. O asfalto impermeável separa os
dois. Por baixo um rio importante para a história Rio de Janeiro, seu nome
batiza aos que aqui nascem e vivem, segue escondido, enterrado numa cripta
asfáltica. E por cima uma corrente sonora ruidosa, turbulenta, invisível que
nos atravessa sem nos darmos conta, que talvez nos influencie à esquecer quem
somos e para onde vamos, um ruído
constante e hipnótico
É interessante perceber que ao entrar no afluente
sonoro à direita na rua Sebastião de Lacerda, final deste percurso, o som imediatamente
perde sua intensidade. Observa-se logo o esplendor arquitetônico das quatro
casas gêmeas na beira da rua, praticamente sem muros, parecendo ser as guardiãs
de uma romântica e bucólica paisagem sonora de outrora. O áudio do vídeo, revela
claramente a saída do fluxo da torrente sonora da rua das Laranjeiras entrando como
em um remanso, é algo instantâneo, volta-se a escutar o som da bike e de outros
eventos esparsos, percebe-se a presença de algo como uma massa silenciosa. Um
bolsão de ar mais silencioso, um remanso sonoro, à espreita, não conseguindo
penetrar e no grande rio de massa sonora contínua seguindo seu curso imperioso
em direção ao Largo do Machado.
“O progresso das civilizações criará mais ruido
e não menos, disso estamos certos.Daqui a um século, quando o homem quiser
fugir para um local silencioso, pode ser que não tenha sobrado nenhum lugar
para onde ir.”(Schafer,R. Murray, 1977)
1 Educador Musical, Musicoterapeuta e Compositor. Mestrado em Educação
Musical (CBM), Graduado em Musicoterapia (CBM), Pós-graduado (s.l) em
Construtivismo e Educação (FLACSO). Extensão “Hands on music” Orff Socity (UK)
– Atualmente dirige e coordena as atividades do Espaço Musical 23 no Rio de
Janeiro.
Link do vídeo: (https://youtu.be/PVnNMFWgv1s)
Link para ler todas as publicações: https://escolaemtranse2020.wixsite.com/meusite/c%C3%B3pia-escola-em-transe-3%C2%AA-publica%C3%A7%C3%A3o
Bibliografia
Schafer, R. Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Editora Universidade
Estadual Paulista,1991.
Schafer, R. Murray. São Paulo: Editora UNESP, 2001
Krause, Bernie. A grande orquestra da natureza. Rio de Janeiro: Zahar,
2013.
sexta-feira, 3 de setembro de 2021
sábado, 29 de maio de 2021
Lançamento URBANO - José Henrique Nogueira
Lançamento do EP "Urbano", quinto trabalho de estúdio do compositor e educador musical José Henrique Nogueira, evoca valores que sustentam a vida moderna nas cidades: música, encontros e perspectivas
Por Octavio Perelló
Os elementos urbanos atestam o título e apontam o processo de criação marcado pelas pausas e acelerações da vida no Rio de Janeiro, onde a natureza circunda a expansão do concreto e oferece belezas e riquezas sonoras. Entregam ainda a trajetória do músico, compositor, musicoterapeuta, escritor e educador musical José Henrique Nogueira nos palcos, bares da vida, estúdios e salas de aula, reunindo experiências artísticas, acadêmicas e de vida que sintetizam a arte de reunir, entreter, encantar e cuidar de pessoas.
O EP "Urbano" é o quinto trabalho de estúdio de José Henrique Nogueira, após o lançamento dos CDs "Caiçara", "Curiosa Idade Musical I e II", e do compacto duplo "Mar" (vinil), este último lançado no início da carreira. Sua obra é permeada ainda de livros autorais sobre Educação Musical, coordenação acadêmica, pesquisa e ensino, além de criações musicais para teatro. José Henrique Nogueira é também idealizador e diretor do Espaço 23, que há doze anos oferece Música e Musicoterapia aos alunos, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro.
O mais recente trabalho, "Urbano", chega ao público ainda em plena pandemia, marcando o encontro musical do compositor e violonista com os músicos Guto Goffi, José Staneck, Gastão Villeroy, Nilo Romero, Raimundo Luís, Lui Coimbra e Nana Simões. Os criativos arranjos do compositor, somados à competente execução dos músicos, com mixagem e masterização de Luizinho Mazzei, apresentam composições maduras para a audição dos mais requintados gostos musicais.
Os destaques, sem tirar nem pôr, vão para todas as faixas (Balada para Pat Metheny, Era um Blues, Canon Blues,Trilha dos Pássaros e Urbano), que têm características particulares em suas propostas e andamento, embora exibam o mesmo DNA. Mas vale destacar duas, em especial, que foram antecipadas ao público: "Canon Blues", que ao mesmo tempo que tem uma intrínseca elaboração rítmica e melódica sobre o tema, tem ainda um apelo ao encontro, à diversão e à improvisação; e "Trilha dos Pássaros", que remete ao modo pessoal de tocar violão do autor e se desenvolve no intuito de criar imagens sonoras que possam trazer a leveza e a magia dos pássaros no ambiente urbano.
"Estou muito feliz com esse novo trabalho e com os encontros que ele me proporcionou. Foi tudo feito com amor e dedicação à música."
As cinco faixas do EP "Urbano" podem ser acessadas nas plataformas digitais Spotify, Apple Music e Deezer, além dos videoclipes que estão disponíveis no YouTube. (Assistir “Canon Blues” e “Trilha dos Pássaros” nos links abaixo)
https://youtu.be/1HfdTDP4xCs https://youtu.be/OUNEUqJi5ac
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
Músicoterapia e música contemporânea
Musicoterapia e a Música Contemporânea
O que é música? Essa pergunta para ser bem respondida, se faz necessário um recorte histórico, pois a música foi se estruturando no decorrer do tempo, adquirindo formas diferentes, seguindo seu rumo, sua evolução, que não é qualitativa, pois cada estrutura musical tinha sua beleza correspondente com a estética e possibilidades de cada época. As estruturas desenvolveram-se com a evolução dos instrumentos musicais, que instigavam os compositores, que por sua vez criavam novasestruturas sonoras e assim sucessivamente desde a pré-história musical até as possibilidades musicais futuristas que ainda estão por vir.
Neste percurso, surgem no século XX inúmeros compositores que, insatisfeitos com a monotonia das estruturas musicais vigentes da época, começam a criar música fugindo da estética sonora e gráfica da época, isso porque paralelamente as propostas de uma nova música rompendo com o passado, surge uma nova grafia musical. Dentro deste espectro chamado de Música Contemporânea, surgem inúmeras propostas de organizações sonoras ou musicais, tais como: música atonal, música experimental, concreta, eletrônica, aleatória, entre outras. Surgem compositores como: Stockhausen, Cage, Schoenberg, Messiaen entre muitos outros.
E como a música contemporânea pode contribuir com a musicoterapia? Quando a música contemporânea trouxe novas possibilidades sonoras, um novo conceito para o que vem a ser música (mais amplo), uma nova escuta e novas possibilidades gráficas para a música, ampliou de certa forma as possibilidades musicais para as atividades de musicoterapia. A música contemporânea não é algo simples. Pelo contrário, as estruturas sonoras compostas para serem interpretadas apelos músicos são extremamente complexas e necessitam de horas de estudo e de prática. Porém, podemos oferecer aos pacientes de musicoterapia, alegrias musicais com as construções sonoras, composições terapêuticas ou pedagógicas com a sonoridade que música contemporânea trouxe para o cenário musical. Sigo sempre um princípio básico para fazer música com meus pacientes, que não se modificou com o decorrer dos tempos: música é uma estrutura sonora organizada, com início e fim bem determinados e com intenção musical.
A estética musical terapêutica ganha outra dimensão com o advento da música contemporânea, fica mais generosa, favorecendo aqueles que por motivos diversos, seja por dificuldade física ou psíquica, possam por meio dos sons possíveis de serem produzidos, organizarem estruturas que possam vir a ser chamadas de música. Essas atividades trazem para muitos uma sensação positiva, de bem estar, fazem com que consigamos juntos organizar as possibilidades sonoras que antes pareciam caóticas e sem organização. Essa, para mim, dentro do meu contexto musical terapêutico é a mais importante contribuição que a música contemporânea trouxe para a musicoterapia; a ampliação da estética musical.
Importante ressaltar que a música tradicional continua viva e sendo utilizada na prática da musicoterapia, suas estruturas continuam trazendo muito prazer para aqueles que conseguem ingressar neste universo. É terapêutico poder vir a tocar uma bela melodia num instrumento, um pandeiro, uma bateria. Inclusive a música tradicional pode vir a ser mesclada com a contemporânea e vice versa.
A musicoterapia, e consequentemente o musicoterapeuta, devem estar preparados e abertos para receber, utilizar e organizar todas as possibilidades sonoras: ruídos, grunhidos, estalidos, sussurros, balbucios, gritos, silêncio, enfim; é possível fazer música com os mais diversos tipos de sons na prática musicoterapeutica.
domingo, 13 de dezembro de 2020
Musicoterapia e Lateralidade
sábado, 12 de dezembro de 2020
Memória Musical. Você sabe assobiar?
MEMÓRIA MUSICAL
José Henrique Nogueira
Musicoterapeuta e mestre em educação musical pelo Conservatório Brasileiro de Música (CBM-CEU).L
Você sabe assobiar?
Eu vivi uma época em que muitos assoviavam e cultivava-se o hábito de pesquisar diferentes possibilidades sonoras do assobio. Era comum, para mim, ouvir o silvo do assovio do meu pai, preenchendo com lindas melodias, o silêncio bucólico das tardes dos finais de semana. Ele assobiava em momentos de breves trabalhos domésticos: trocando uma lâmpada, serrando uma madeira, apertando um parafuso, enfim parece que o assovio criava um ambiente sonoro propício ao trabalho e ajudava passar o tempo.
Também era comum escutar o seu assovio quando chegava a noite em casa do trabalho. Era uma breve e ritmada melodia (ostinato) específico com 2 ou 3 notas no máximo, como se fosse uma marca sonora que anunciava a sua chegada.
Os meus tios, irmãos no meu pai, também cultivavam esse hábito. Assoviava-se na janela olhando os transeuntes passando pela rua, na mesa naquele momento de “tristeza” pós refeições, geralmente belas e breves melodias que tive a sorte de conviver, ouvir, agora lembrar e escrever, que é como se estivesse ouvindo novamente.
Quando menino eu e meus amigos assoviávamos com prazer, aparentemente por pura brincadeira. Mas hoje penso que poderíamos estar demarcando nosso território sem saber. Na rua onde morei assoviávamos para chamar os amigos em suas casas, pela ruas e calçadas. Tínhamos os assobios comuns ao nosso grupo, acontecia sem nenhuma tipo de planejamento, quando víamos, ou melhor ouvíamos, o assobio, nossa marca, patente sonora já havia sido definida.
É importante lembrar que estou falando de uma região onde os prédios eram baixos, quatro andares quase sempre e alguns como eu, moravam em casas que não havia interfone para anunciar a chegada. Casas usavam campainhas, prédios tinham campainhas para chamar o porteiro ou zelador quando a portaria estava fechada e era comum todos olharem de suas janelas para verem quem tocava. A brincadeira sonora de tocar a campainha e sair correndo, devo confessar era uma saudável estripulia que nos proporciona muita alegria.
O assobio tinha uma função de chamado, de aproximação e de comunicação. Chamávamos também as meninas, assim como nossas namoradas que apareciam na janela com vigor, com o sorriso estampado e antecipado pois já sabiam quem iriam encontrar.
Embora tivéssemos o assovio comum do grupo, cada um também tinha seu tipo de assobio. Era comum ficarmos procurando por timbres diferentes a partir de técnicas diversas; com os dedos das mãos, comprimindo os lábios e a língua, com a mão em forma de concha. Enfim, sem nos darmos conta, além da alegria do momento, marcava-se o nosso território, pois certamente o som era ouvido ao longe. Muitas das vezes, algumas delas no silêncio da noite, assobiávamos de casa, na janela, no portão e outros assobios em respostas eram ouvidos. Alguns deles podíamos reconhecer como sendo de nossos amigos, outros não, pois havia aqueles assobios que vinham com o som bem fraquinho pois estavam bem distante, de outras ruas, outros meninos, outros territórios sonoros.
Meus assobios são esses: o tradicional fazendo bico; com este consigo fazer melodias. Sei também utilizando quatro dedos, indicador e médio de cada mão. Eu consigo também assoviar utilizando dois dedos um de cada mão: só dois indicadores, dois médio, até os mindinhos. Com os dois polegares não consigo.
Com muito orgulho assobio com a mão em forma de concha. Com essa técnica consigo variar as alturas os sons, graves e agudos. Conseguia, na época, com a mão em forma de concha com os dedos cruzados, um som único, com pouca alteração na altura do som.
Cheguei a ver alguns assoviando com um dedo só, outros assoviando comprimindo os lábios, alguns com a língua pra fora enrolada. Certamente existem muitas outras técnicas de assobios.
Ao longo desses anos trabalhando em instituições de ensino pouco ouvi as crianças brincando de assoviar, fora alguns momentos das minhas aulas de música que estimulava esta prática sonora.
Fiz questão de ensinar as minhas duas filhas a assoviar ainda pequenas. Assoviam até hoje. Conseguem elaborar pequenas melodias e particularmente me sinto muito feliz e orgulhoso por terem adquirido esta habilidade.
Certamente o assobio ainda continua sendo um hábito cultivado. Alguns povos ainda se comunicam através dele, algumas pessoas principalmente os que vivem fora dos centros urbanos, conseguem imitar os pássaros com muita perfeição. Mas não resta dúvida que esta habilidade sonora vem perdendo seu prestígio. Com isso, o som do assobio, deixa de fazer parte do território sonoro que ocupava. Da mesma maneira que o som do amolador de facas, as vozes dos ambulantes com os seus “pregões”, assim como tantos outros que vem sendo silenciados.
O primitivismo sonoro presente no assobio nos conecta aos nossos ancestrais, possivelmente os pássaros nos inspiraram, ou simplesmente o acaso de um sopro proporcionou uma sonoridade que instigou a curiosidade humana e fez surgir esta maravilhosa e pouco explorada habilidade sonora; o assobio.
Você sabe assobiar?