sábado, 5 de novembro de 2022

Música no Currículo Escolar (José Henrique Nogueira)

Música no Currículo Escolar

Especificidade e Interdisciplinaridade

(José Henrique Nogueira)


“Escrevi esse texto há 10 anos atrás. Não revisei, apenas li novamente. Achei importante compartilhar, devido ao fato de que existem pontos muito mais relevantes e atuais do que outros já ultrapassados na minha concepção.”



A música pode oferecer encontros com outras disciplinas ou participar de estratégia de ensino de certos conteúdos como: períodos históricos, linguagem, outras culturas, ciências etc. Pode fazer parte do processo de alfabetização, trazer o elemento lúdico/motivador para a aquisição de conhecimento da  educação infantil ao ensino médio, servir como fonte de pesquisa para o próprio professor, e ainda participar de projetos com enfoques interdisciplinares. Segundo o sociólo George Snyders (1992), o ensino da música pode dar um impulso exemplar à interdisciplinaridade, fazendo “vibrar o belo em áreas escolares cada vez mais extensas”. Com esta citação o autor amplia o conceito e nos leva para uma discussão em que deixa de ser o simples intercâmbio dos conteúdos das disciplinas e passa a postular algo menos visível aos nossos olhos. Aponta para a importância da música como agente motivador, por proporcionar e promover uma emoção vibrante e contagiante. Precisamos nos emocionar com a aquisição do conhecimento. 


As ligações da música com outras disciplinas não serviriam apenas para ilustrar, ou criar uma ambientação histórica, mas também para ampliar a beleza de uma aula, a “estética de um espaço do conhecimento”. É esta interdisciplinaridade que também deve ser levada em conta, a troca daquilo que cada disciplina traz inserida em seu “espírito” de mais belo, e que pudesse ser capaz de “co-mover” e motivar os alunos. Segundo Jurjo Torres Santomé, os conteúdos curriculares estão devidamente estruturados em disciplinas com suas especificidades bem definidas desde o início do século XIX, quando começou a prática de diferenciação do conhecimento em uma multiplicidade de disciplinas autônomas. Mas se todos aqueles que trabalham na educação se sentissem responsáveis não apenas pela sua disciplina ou por sua atividade específica, e que outras áreas do conhecimento viessem a ser observadas e utilizadas na sua prática, talvez estivessem favorecendo as especificidades alheias, criando assim, uma sensação de unidade na educação. 


A especialização das disciplinas foi um processo que aconteceu no decorrer da história da educação, nos tempos antigos, as humanidades e as ciências não eram vistas como estanques como parecem hoje, havia uma íntima relação entre matemática e a música, a filosofia e a física, assim como conteúdos éticos, religiosos e mágicos no estudo da astronomia e da química. Houve perdas neste processo, e uma delas o isolamento do conhecimento específico, que é o enclausuramento das diversas disciplinas em territórios isolados, muitas vezes excessivamente protegidos.


Sabemos que a música possui suas especificidades e que estas podem muito bem se adptar numa estrutura curricular da escola regular. Ela, a música, possui conteúdos de sobra para permear os currículos desde a mais tenra infancia até a juventude do atual ensino médio. Idéias não faltam de incluir a música na estrutura curricular, algumas escolas se orgulham de possuir propostas que funcionam, outras lamentam não terem conseguido ainda. A organização, a sistematização em estruturas do pensamento, é uma necessidade, não diria natural, mas cultural do ser humano, e a escola, sabe muito bem oferecer estas estruturas gradativas do conhecimento, talvez uma de suas virtudes, mas certamente uma de suas funções, que vai de encontro com a necessidade de estruturação de toda a sociedade. A impressionante “engrenagem” da escola, é muito complexa e se repete há muitos anos, e para se entrar dentro dela, requer habilidade e também discernimento de que poderá haver perdas, principalmente as criativas, em nome da ordem e da organização necessária para a contínua e veloz marcha escolar, que não possui muita paciência para demoradas reflexões. Me remeto a brincadeira de pular corda, onde aquele que está fora e quer entrar, precisa entrar no ritmo constante e incessante da corda, assim a escola também gira, e para entrar neste compasso é preciso encontrar o tempo certo, o pulo, e por fim a paciência, o interesse e muitas das vezes resignação para se manter dentro do jogo.


Como disse anteriormente a teoria musical pode ser adequada dentro da “grade” das disciplinas escolares. É possível construir um curriculo que possibilite os alunos a aquisição do conhecimento teórico musical básico basta um planejamento, um interesse político/educacional para que isso aconteça. Isso pode ser feito a partir das propostas organizadas pelo MEC, pelas secretarias estaduais e municipais de educação, atraves das publicações de  parâmetros curriculares que já foram e são publicados e distribuídos com excelentes sugestões para que as escolas organizem a música curricularmente. E até mesmo por iniciativas particulares, onde excelentes professores/músicos, pensadores e pesquisadores vem através dos tempos imaginar a melhor maneira de incluir a música no currículo e instituíla de forma visivel, estruturada e definitiva no curriculo escolar. 


Toda vez que escrevo e penso sobre música, educação e insttiuição escolar, me lembro da pesquisadora Rosa Fuks, com que certa época tive o prazer de trocar ideias  musicais, e entre os muitos ensinamentos um deles nunca mais esqueci, disse ela: - Joséé Henrique, assim como no mito do Rei Midas onde em tudo que ele toca vira ouro, na Educação, a Instituição Escolar, é uma estrutura onde tudo que ela toca, "envelhece".


Ela me disse isso em 1998, e se não me engano está no seu livro, O Discurso do Silêncio, lançado em (1991), mas o interessante nisso, é que eu nunca mais esqueci dessas palavras, dessa analogia, e levei comigo sempre que entrava nas escolas que lecionei, e olha que não foram poucas, 13 escolas. Um dia escrevo sobre esta diversidade escolar que perspassei. Mas o mais importante, e que me interessa agora neste texto, é que este pensamento da Rosa, não só me deixava protegido para manter o meu espírito criativo aceso, como também me manteve atento para não deixar a música “envelhecer” em minhas atividades dentro das instituições. Quando percebia que a música, que eu trabalhava, estava muito repetitiva, eu mudava, inventava uma moda, dava una sacudida com outras sonoridades, outros estilos, a música pode realmente envelhecer dentro da escola.


Mas a música é muito efêmera e fugidia, transborda os limites, ultrapassa com seu som as paredes, os anteparos, transgride as ordens. Talvez essa seja uma das dificuldades de instituir a obrigatoriedade da musica nas escolas; a sua estrutura originariamente criativa, rebelde, mundana de difícil enclausuramento institucional. Sua grande diversidade incomoda o que faz com que quase que naturalmente, se opte dentro de instituições por grandes estruturas musicais, tais como grandes corais de vozes, flautas, cavaquinhos, e assim por diante. Talvez a música caiba na escola, aliás como sempre esteve, fora dos currículo.  Basta ver a quantidade de jovens plugados em seus headphones, escutando justamente a diversidade, o incontrolável pela escola.


Talvez nunca mais voltemos ao tempo onde a disciplinas eram integradas, onde a música parecia permear e participar de um vasto território de conhecimento Sabemos que a música possui suas especificidades, mas porque não imaginar que estas podem ser compartilhadas dentro da escola. Pode-se ouvir música em outras disciplinas, assim como outras formas de arte. Música na física, música na química, música na biologia, música na geografia, ma história nem se fala. Pode-se brincar com a música no portugues, na matemática Pitágoras já demonstrou o quanto o campo é fértil. Música e filosofia, Educação Física, e tantas outras possibilidades de integração. E música com suas próprias especificidades, na sua teoria, ritmos, instrumentos, profissões, na formação cultural, enfim um mundo repleto de possibilidades coloridas, sonoras e também com silêncio, mas matendo sempre o cuidado para não se perder, ou melhor não se prender nas grades curriculares das estruturas seculares que acompanham as instituições, enfim, cuidado para não envelhecer.



José Henrique Nogueira

Mestre educação musical

Musicoterapeuta

Pós-graduado “construtivismo e educação”

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